Relicário

Dias sem dormir direito e lá se vai aquele papo sem fundamento. Sempre achei mais confortável sentar nos degraus de uma escada de concreto, maciça pelo tempo e por aqueles que já pisaram em cima, já esperta em conviver coberta de poeira. Uma conversa marota sem fundamento enquanto o céu está nublado, não consegui tirar os pés de casa e a minha lista está borrada a rubro. Me fale sobre família, sobre os homens que te deixaram esperando e os filhos que teve que criar sozinha. Escuto a máquina de lavar lá fora se silenciar, viro às costas quando vejo uma lágrima preparando queda-livre.

A brisa da tarde passa diferente, antes as camisetas era deixadas sobre a lama da chuva que ocorreu no dia anterior, nossos pés corriam mais que os pensamentos, ninguém corria pra casa bombeado de ansiedade. A vida já correu macia nos contornos de seu rosto moreno. Um dia separou as nossas vidas e assim eu aprendi a fazer cartas de amor, elas ficaram mais dramáticas após o outono.

Das tuas cartas as que eu mais gosto são aquelas de uma palavra só, prefiro teus beijos de vinte minutos. Tentei pichar o teu rosto na parede do meu quarto mas achei injusto porque coloquei quatro folhas de blackout na janela e eu não gosto de incidir luz sobre você, temo que isso cegue o meu bom senso. Esse é o único princípio que me mantém com a canela na areia, tive que me vendar pra esquecer que deixei ervas daninhas crescendo no nosso quintal.

Os telefonemas que recebe são ignorados e os compromissos são firmados por mensagens de texto. Tapei a fresta que sua mão passava devagar na manhã. Seus olhos não são mais profundos e esse azul insosso continua perturbando toda a cidade. Eu sei que a culpa toda é das músicas pop, do veludo macio e roxo que cobre caixas de presentes compradas com vale recebido do amigo oculto da empresa. É uma maça envenenada randômica.